O texto a seguir é o último da série que discutiu o doping no esporte e teve o objetivo de auxiliar o leitor a compreender melhor o tema. O conteúdo é parte do que o professor Marcelo Cardoso trabalhou em aula, neste semestre, com alunos do curso de pós-graduação em Jornalismo Esportivo e Multimídias da Universidade Anhembi-Morumbi (SP). A colaboração do estudante foi voluntária e gratuita.
Por Léo Martins
Anúncio do primeiro caso de doping em olimpíada completa 60 anos, mas o tema ainda demanda conscientização
Ao longo do especial, publicado nesta coluna, descobrimos diversas informações sobre o que é o doping e como, de fato, pode ser mal interpretado ao ser comunicado para o público. Desde 1960, quando se anunciou o primeiro caso de dopagem em uma olimpíada, e que aterrorizou o mundo esportivo, o tema é algo que merece atenção e conscientização.
Foi em Roma, na Itália, que o ciclista dinamarquês Knud Enemark Jensen, de 23 anos, sentiu-se mal durante uma prova de estrada, caiu da bicicleta e sofreu traumatismo craniano. O atleta morreu no hospital e a análise sobre a causa da morte está, até hoje, envolta em dúvidas.
Na época, porém, foi fortemente divulgado que o atleta tinha no sangue uma substância vasodilatadora que estimula a circulação sanguínea e teria contribuído para a sua morte. No momento da queda do ciclista os termômetros registravam um forte calor o que causou insolação no atleta.
No início da década de 1960 ainda não existiam controles e proibições claras sobre o doping, mas aquela morte trágica serviu como impulso para o Comitê Olímpico Internacional se articular para iniciar um programa antidopagem nas suas competições. Outros casos de doping seriam anunciados e viriam a assombrar o mundo do esporte.
Breve linha do tempo sobre o doping mundial:
Áustria (1962): primeiro país a ter a legislação antidoping;
México (1964): primeiros testes de urina para detectar o doping em atletas;
Espanha (1967): elaboração do primeiro conceito sobre dopagem e da primeira lista de substâncias proibidas.
Uruguai (1971): primeiro país na América do Sul a ter uma legislação antidoping;
Europa (1984): Conselho da Europa adota código antidopagem e 11 casos positivos de doping são detectados nos Jogos Olímpicos de Los Angeles (EUA);
Suíça (1999): criada a Agência Internacional Antidoping (Wada).
As providências que envolvem a identificação e a restrição ao doping são relativamente recentes, mas o tema é rondado por influência política há décadas, com destaque para a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que chamava atenção por causa de seus atletas da modalidade ‘levantamento de peso’.
O Código Mundial Antidoping só passou a vigorar em 2004, nos Jogos Olímpicos de Atenas, na Grécia. Logo, um dos maiores casos de dopagem em toda história seria deflagrado.
O doping a partir do caso ‘Rússia’
O início de coleta de sangue para exame de doping ocorreu em 2000, nos Jogos Olímpicos de Sydney. Antes, os exames eram realizados apenas a partir da coleta de urina. Quem iria imaginar, porém, que uma das maiores potências olímpicas seria impedida de participar dos próximos Jogos Olímpicos, em Tóquio, em 2021?
A Rússia foi colocada sob os holofotes por causa de um grande sistema de dopagem que envolvia atletas, dirigentes e outras autoridades esportivas do país, por uma série de violações como a manipulação de dados laboratoriais, a inclusão de amostras falsas em testes e a destruição de arquivos conclusivos sobre possíveis casos de dopagem.
O documentário Ícaro (EUA, 2017), dirigido por Bryan Fogel e disponível pela Netflix, distribuidora de filmes por streaming, apresenta detalhes desta investigação que levou à punição da Rússia e que deixa uma reflexão interessante: por que um país tão desenvolvido e extenso não investiu todo esse trabalho e planejamento no esporte de base?
O jornalista William Douglas de Almeida, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e membro da Academia Olímpica Brasileira, defende a punição de países que não respeitam as políticas antidopagem.
“É super importante a punição da Rússia, mas não podemos restringir apenas a eles. (…) Tem muita gente fazendo isso e é preciso encontrar formas de bloquear sistemas estatais e privados, afinal de contas, as realidades dos treinamentos são totalmente diferentes”, disse Almeida.
Durante entrevista para alunos de pós-graduação em Jornalismo Esportivo e Multimídias da Universidade Anhembi-Morumbi (SP), o jornalista e doutor pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo, se mostrou preocupado com o equilíbrio de forças no esporte internacional.
“A maior parte dos laboratórios que fazem o controle do antidoping está no (hemisfério) norte: Europa e Estados Unidos. Se não acharmos um sistema que parta essas pontas para equalizar e ter mais exames no sul, na África, na América do Sul, em alguns lugares da Ásia, (…) vamos perder o controle e a guerra continuará mais difícil”, alerta.
Educação e conscientização são excelentes caminhos no combate ao doping
Os primeiros testes antidoping no Brasil foram gaúchos, realizados no clássico GreNal (Grêmio e Internacional) nos anos 1960. O Campeonato Paulista de Futebol, em 1990, foi o primeiro a ter o controle antidoping entre os seus atletas, mas, só em 1996 houve o primeiro curso no País para formar profissionais em antidopagem e que poderiam, de fato, colocar os ensinamentos de forma efetiva.
“No Brasil existem casos muito curiosos, mas, em muitos falta clareza, transparência”, critica Almeida. A educação é uma importante ferramenta capaz de mudar e moldar o mundo e, quando a informação é repassada com qualidade, a conscientização será o grande resultado. Por isso, o jornalista entende que educar as categorias de base seria o melhor dos mundos para se evitar a dopagem ilegal no esporte.
“Infelizmente a realidade é que olham para o doping vendo apenas o esporte de alto rendimento”, afirma o profissional. Almeida explica que é muito difícil colocar esta abordagem em pauta porque, quando as pessoas falam de doping, muitas traduzem como utilização de droga, mas, segundo ele, isso é uma generalização.
Um dos papéis do jornalismo esportivo é fazer o jovem pensar sobre o tema. Quando há uma boa educação sobre o doping, há o empoderamento, sobretudo no esporte. Quando um atleta recebe uma receita médica, precisa ter informações para questionar corretamente os efeitos provocados pelo uso da substância indicada. Seria benéfico ao esporte proporcionar autonomia à grande maioria dos atletas por meio do conhecimento.
Para conhecer mais:
Código Mundial Antidopagem, 2020: Disponível em: https://www.gov.br/abcd/pt-br/composicao/regras-antidopagem-legislacao-1/codigos/copy_of_codigos/codigo-mundial-antidopagem-2021.pdf/view. Acesso em: 28 out. 2020.
DIMEO, Paul. The truth about Knud: revisiting na anti-doping myth. The Sports Integrity Initiative, 2016. Disponível em: https://www.sportsintegrityinitiative.com/the-truth-about-knud-revisiting-an-anti-doping-myth/. Acesso em: 31 out. 2020.
World Anti-Doping Angency, 2020. Disponível em: https://www.wada-ama.org/en. Acesso em: 28 out. 2020.
Marcelo Cardoso é jornalista e professor universitário. Pesquisa o jornalismo e o áudio em suas várias interfaces com o esporte. Face; Insta; Twitter; LinkedIn
Léo Martins é jornalista e estudante do curso de pós-graduação em Jornalismo Esportivo e Multimídias da Universidade Anhembi-Morumbi (SP). Facebook; LinkedIn; Instagram @leoxmartins