“Les Rois du Footbol”! As palavras em francês significam “Os Reis do Futebol” e foram atribuídas pela imprensa da França ao Paulistano, equipe que, em 1925 participou de uma série de jogos pela Europa e conseguiu grandes resultados.
O título foi merecido porque, até então, foi a melhor campanha de um time sul-americano pelo Velho Continente. A equipe de São Paulo disputou dez jogos e venceu nove, a maioria por goleada. A única derrota foi por um gol.
A fama era merecida, afinal, a TV, a internet e as mídias sociais “instagramáveis” não existiam e, mesmo assim, um ídolo internacional já despontava naquela equipe e no futebol brasileiro. O nome dele?
Arthur Friedenreich (1892 – 1969) foi considerado o rei do futebol e sua atuação em um dos jogos chocou a imprensa francesa. Logo na partida inicial da excursão do Paulistano o jogador fez três, dos sete gols contra a seleção da França, que marcou apenas um tento.
Sua majestade, Friedenreich
Friedenreich é citado como “o pioneiro” (CBF, 2019) da galeria de estrelas da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e merece todas as glórias. Considerado o contexto histórico e midiático, o brasileiro foi tão importante para a seleção brasileira quanto Leônidas da Silva, Pelé, Garricha ou qualquer outro craque que já vestiu a camiseta amarela.
Fried jogou por 26 anos, dos 17 aos 43, sempre em alto nível. O maior momento de sua carreira no futebol nacional ocorreu após vencer, junto com a seleção, o Campeonato Sul-Americano de 1919, no Estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro (RJ).
Com 25 anos de idade o atleta foi o artilheiro, com quatro gols, incluindo um deles na decisão contra o Uruguai, quando saiu de campo carregado pelos torcedores. Foi o primeiro de muitos títulos internacionais que o Brasil viria a conquistar, elevando o nome do país no cenário internacional da modalidade.
O futebol começava a se popularizar e o jogador deu um forte pontapé para impulsionar a cultura do esporte no país. Friedenreich recebeu dos jornalistas uruguaios e argentinos o apelido de El Tigre pela sua maneira de jogar, com dribles simples, precisos, avançando sobre os oponentes como um tigre: determinado e com faro para o gol.
Em 1922 o jogador se sagrou novamente campeão da América do Sul e, antes disso, em 1914, participou da equipe que disputou o primeiro jogo da história de uma seleção brasileira. A partida reuniu um combinado de brasileiros contra o Exeter City F.C., da Inglaterra, que perdeu por 2 a zero.
Gols e polêmica
Não se sabe com precisão o número de gols marcados pelo artilheiro. Por muitos anos jornalistas divergiram sobre dados e da história sobre Fried ter alcançado quase 600 gols ou ter superado os mil tentos.
O que se tem certeza é que, segundo a CBF “a estatística oficial do Centro de Memória e Acervo (…) contabiliza dez gols em 23 jogos com a Amarelinha” (CBF, 2019), uma média de quase meio gol por partida.
Futebol, tigres, racismo e macacos
Friedenreich começou a jogar quando o futebol era dominado por brancos e amador, ou seja, não se recebia salário ou prêmio para defender uma equipe. O fato de ser filho de um descendente de alemães e de uma negra brasileira, e possuir olhos verdes, o ajudou a conseguir um lugar naquele futebol elitista.
Com apenas 17 anos, em 1909, Fried passou a atuar pelo Germânia, fundado por Hans Nobiling (1877 – 1954), um dos criadores do Campeonato Paulista de Futebol, em 1902. O clube pertencia à colônia alemã em São Paulo. Em 1912 o jogador se tornou artilheiro do campeonato paulista, jogando pelo Mackenzie.
A carreira de El Tigre, porém, poderia ser ainda maior se não fosse o racismo. Depois de se tornar ídolo em 1919, Fried ficou de fora dos campeonatos sul-americanos de 1920 e de 1921.
A imprensa argentina chamou de macacos os jogadores negros do Brasil. O presidente brasileiro, Epitácio Pessoa, não gostou e proibiu negros e mulatos de representarem o país em competições esportivas internacionais.
Os reflexos ocorreram dentro e fora do campo: a seleção foi mal nos certames e houve uma campanha popular para mudar a decisão presidencial. Pessoa cedeu, afinal, a próxima competição sul-americana seria no Brasil em comemoração ao Centenário da Independência, em 1922.
Carreira longeva
Um dos times onde Friedenreich mais se destacou foi o São Paulo F. C., recém fundado em 1930, por onde se sagrou campeão paulista em 1931. O time era conhecido como “esquadrão de aço” pela qualidade de seus jogadores.
Até deixar a equipe o atleta anotou 102 gols em 124 jogos. Em 1935, aos 42 anos, se aposentou marcando um gol em um amistoso entre Corinthians e São Paulo (jogo conhecido por Majestoso), vencido pelo tricolor por 3 a 1.
“Friedenreich se tornou o jogador mais velho da história do São Paulo a disputar um Majestoso e, também, o mais velho a marcar um gol” (GAZETA ESPORTIVA, 2020).
Friedenreich (sétimo da esq. para dir.) no SPFC, campeão paulista de 1931 (Domínio Público).
Arthur Friedenreich foi importante para a nossa cultura. A partir do ídolo o país passou a adotar o futebol como algo legitimamente brasileiro. O jogador influenciou até mesmo os modernistas:
“Friedenreich tornou-se referência para os autores dessa geração, que viram no futebol uma manifestação moderna, própria do ritmo de vida das cidades. Seu nome é mencionado na própria Semana de Arte Moderna de 1922 (…)”. (MUSEU DO FUTEBOL, 2022).
O texto originalmente foi publicado em: http://esportivo.webhostusp.sti.usp.br/?p=3763
Conheça mais:
CBF, Confederação Brasileira de Futebol. Friedenreich: origem, histórias e mitos do primeiro ídolo da Seleção. 2019. Disponível em: https://www.cbf.com.br/selecao-brasileira/copa/america-2019/friedenreich-origem-historias-e-mitos-do-primeiro-idolo-da-selecao. Acesso em: 29 out. 2022.
MUSEU DO FUTEBOL. Centro de Referência do Futebol Brasileiro. Há exatos 50 anos morria Arthur Friedenreich, o primeiro grande ídolo do futebol brasileiro. 2019. Disponível em: https://medium.com/museu-do-futebol/h%C3%A1-exatos-50-anos-morria-arthur-friedenreich-o-primeiro-grande-%C3%ADdolo-do-futebol-brasileiro-78431cbd742f. Acesso em: 4 nov. 2022.
GAZETA ESPORTIVA. Há 85 anos, Friedenreich se despedia do São Paulo em um Majestoso. 2020. Disponível em: https://www.gazetaesportiva.com/times/sao-paulo/ha-85-anos-friedenreich-se-despedia-do-sao-paulo-em-um-majestoso/. Acesso em: 29 out. 2022.
IDBRASIL CULTURA, EDUCAÇÃO E ESPORTE; Museu do Futebol. 2022.
OBSERVATÓRIO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO FUTEBOL. Arthur Friedenreich, o primeiro grande ídolo negro do futebol brasileiro. 2016. Disponível em: https://observatorioracialfutebol.com.br/arthur-friedenreich-o-primeiro-grande-idolo-negro-do-futebol-brasileiro/. Acesso em: 5 nov. 2022.
RAFAEL DUARTE OLIVEIRA VENANCIO. Friedenreich em cena: 25 microcontos de futebol em cenas teatrais. 2020.
MARCELO CARDOSO é jornalista, biógrafo, professor universitário e produtor de podcast. Pesquisa o jornalismo em suas várias interfaces com o esporte. Contatos: